sexta-feira, 9 de maio de 2014

O mistério do cabaz desaparecido

Não foi a primeira vez que me pediram para deixar o cabaz à porta. Já saltei um portão para conseguir fazê-lo. Já escondi o cabaz numa tenda num jardim. Ou dentro de um barbecue. Já toquei na campainha dos vizinhos para me abrirem a porta do prédio. Já me pediram para deixar o cabaz dentro de um carro que estava aberto.
Correu sempre tudo bem. Chegando a casa, os donos encontraram sempre o seu cabaz, mais ou menos tempo depois de eu o ter abandonado à sua sorte. Nunca tinha desaparecido nenhum. Até ontem.
Quando soube, fiquei mesmo triste. Então mas já não se pode confiar nos vizinhos? Num prédio onde a porta da rua está sempre fechada, como desaparece um cabaz que está junto à nossa porta? A C. tinha-me dito que não havia problema nenhum, que conhecia bem os vizinhos do seu patamar e que não havia nada a temer. E agora? Vai deixar de confiar? Será que foram vizinhos de outro andar? Que tristeza, mesmo. 
Eu sei que os nossos cabazes são irresistíveis... mas roubar? Não podiam simplesmente pedir o contacto? Para mim, não havia outra hipótese senão confrontar-me com aquele sentimento de falta de fé na humanidade.
Mas a verdade é que, felizmente, o cabaz não desapareceu da porta da C. Sabem porquê? Porque eu nunca o deixei lá.


Não é importante, mas ok, se querem mesmo saber, deixei-o à porta do vizinho de baixo, facilitando-lhe assim a tarefa de o roubar, se estivesse para aí virado. Felizmente limitou-se a guardar no frigorífico o que precisava de frio, até encontrar o dono (pois quando chegou a casa já era tarde para ir tocar à campainha dos vizinhos). Aposto que ainda desejou que alguém se tivesse lembrado de lhe oferecer aquele belo cabaz e deu voltas à cabeça a imaginar quem poderia ter sido. Porque não teria deixado um cartão? Teria sido a colega com quem tinha falado de sumos verdes e que, desconfiava, estava apanhada por ele? Teria sido a mãe? Não... A ex-mulher por saber que era fim de semana com os miúdos e estava farta de dizer que eles têm mesmo de comer sopa? No fundo, sabia que o mais provável era estar a guardar os legumes de um vizinho na gaveta do seu frigorífico. Cena estranha...


Pronto, já estou a criar romances paralelos. É só para não ter de confrontar-me com a minha incapacidade mental. Seria mais fácil a falta de fé na humanidade?

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