Não foi a primeira vez que me pediram para
deixar o cabaz à porta. Já saltei um portão para conseguir fazê-lo. Já escondi
o cabaz numa tenda num jardim. Ou dentro de um barbecue. Já toquei na campainha
dos vizinhos para me abrirem a porta do prédio. Já me pediram para deixar o
cabaz dentro de um carro que estava aberto.
Correu sempre tudo bem. Chegando a casa, os
donos encontraram sempre o seu cabaz, mais ou menos tempo depois de eu o ter
abandonado à sua sorte. Nunca tinha desaparecido nenhum. Até ontem.
Quando soube, fiquei mesmo triste. Então mas
já não se pode confiar nos vizinhos? Num prédio onde a porta da rua está sempre
fechada, como desaparece um cabaz que está junto à nossa porta? A C. tinha-me
dito que não havia problema nenhum, que conhecia bem os vizinhos do seu patamar
e que não havia nada a temer. E agora? Vai deixar de confiar? Será que foram
vizinhos de outro andar? Que tristeza, mesmo.
Eu sei que os nossos cabazes são
irresistíveis... mas roubar? Não podiam simplesmente pedir o contacto? Para
mim, não havia outra hipótese senão confrontar-me com aquele sentimento de
falta de fé na humanidade.
Mas a verdade é que, felizmente, o cabaz não
desapareceu da porta da C. Sabem porquê? Porque eu nunca o deixei lá.
Não é importante, mas ok, se querem mesmo saber,
deixei-o à porta do vizinho de baixo, facilitando-lhe assim a tarefa de o
roubar, se estivesse para aí virado. Felizmente limitou-se a guardar no frigorífico
o que precisava de frio, até encontrar o dono (pois quando chegou a casa já era
tarde para ir tocar à campainha dos vizinhos). Aposto que ainda desejou que
alguém se tivesse lembrado de lhe oferecer aquele belo cabaz e deu voltas à
cabeça a imaginar quem poderia ter sido. Porque não teria deixado um cartão?
Teria sido a colega com quem tinha falado de sumos verdes e que, desconfiava, estava apanhada por ele? Teria sido a mãe? Não... A ex-mulher por saber que
era fim de semana com os miúdos e estava farta de dizer que eles têm mesmo de
comer sopa? No fundo, sabia que o mais provável era estar a guardar os legumes
de um vizinho na gaveta do seu frigorífico. Cena estranha...
Pronto, já estou a criar romances paralelos. É só para não ter de confrontar-me com a minha incapacidade mental. Seria mais
fácil a falta de fé na humanidade?
Acontece aos melhores :)
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